quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Misan-en-Scéne


Você ainda está naquela fase em que descobre que o pessimismo pode ser extremamente charmoso, então você interpreta um protagonista complexo e obscuro, mascando o chiclete com um sorriso irônico no canto da boca, quando, no entanto, nas engrenagens mais íntimas do seu ser, maquina ainda algo de esperançoso e ingênuo. Me vejo nisso há tempos atrás e rio comigo mesma porque me lembro daquela música de Chico: “Já conheço os passos dessa estrada, sei que não vai dar em nada, seus segredos sei de cor...”. Por isso, apenas deixo. Educadamente, deixo você curtir o barato do seu show. A sua pose de Adônis atormentado, as suas fugas e aparições sempre imprevisíveis, todas inspiradas na tentativa de parecer um alguém interessante. Passo por cima. Ignoro o seu arquétipo teatral e sublimo essa sua insistente mania em me querer como a vítima da sua trama mexicana e sem-graça, ainda que o mais sensato fosse dizer curta e secamente, entre uns goles de café, como é patética a sua falta de coragem para encarar de uma vez as pessoas e a vida. E se o meu aval, o meu desimportante aval tanto amacia alguma parte inflamada do seu ego, eu até deixo você invadir o meu espaço e recostar no vão da porta com alguma expressão insondável no rosto, enquanto desata a contar vantagens sobre si mesmo. Deixo. Desde que nessa postura não esteja implícito algum plano para me arrastar até o seu enredo, até a sua cena. É um truque eficaz para os incautos, mas insensível para mim... Alma velha, sabida e ressabiada das manhas de tantos “atores” e “atrizes” desse mundo afora. 

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Condicional


Lembrei que uma vez, enquanto caminhávamos juntos pela calçada, após um suspiro exausto você disse algo sobre "o mundo ser muito duro". Eu, intrigada, perguntei o motivo daquela afirmativa pessimista e não mais que de repente você abriu a sua vida como quem abre um livro. Me contou detalhes densos durante segundos curtos e adotou um tom de intimidade que sequer nos cabia naquela época. Eu até poderia achar nesse gesto certa estranheza, mas algo no seu desprendimento ingênuo me soou adorável... Quem sabe não fosse, talvez, o brilho inédito da minha sensação de pertencer agora a sua íntima confiança?
Em resposta, eu um pouco boba apenas assenti a cabeça positivamente e esbocei o sorriso mais plácido que achei, exatamente como numa manobra desajeitada de lhe oferecer conforto amigo, ao mesmo tempo em que planejava ocultar a imensa vontade de cair imediatamente nos seus braços. Afinal, você sabe: "Eu sempre adio as minhas emoções até ter a certeza de que demonstrá-las não me causará danos aqui no peito." E embora a frase esteja conservada entre aspas, de tanto confundirmos as nossas bocas noutros momentos, eu já nem me recordo se essas palavras foram ditas por mim ou por você.


Sabe, fragmentos como esses quando me cutucam a memória, me vêm ainda doces. Sinto um sabor particular nisso tudo: um gosto inesperado e ao mesmo tempo delicioso, feito como as suas visitas sem aviso-prévio no meio daquelas tardes de Maio. Hoje, no entanto - veja só como são as coisas -, eu só aceito a tua presença se for durante a madrugada. Com a casa escura e muda. Os traços dos nossos rostos apagados pela penumbra. As fraquezas e vulnerabilidades recentemente adquiridas também encobertas pelo escuro, fazendo os segredos que machucam e os sentimentos que coram as 
bochechas serem pronunciados mais facilmente; sem tanta timidez ou constrangimento. Erros e culpas também parecem ser mais compreensíveis quando o relógio passa da meia-noite, moço. Então, não! Não me aparece aqui à luz do dia, quando a minha mente estiver desperta, inquisidora e recapitulando as feridas. Me aparece no alto das horas, no meu apartamento tão aterrado em silêncio que me faça crer por uns frágeis instantes, não existir mais ninguém em vida, além de nós dois.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Tema as lágrimas

Permaneço sob o chuveiro até que os meus dedos fiquem murchos. Olho para eles e então enxergo a cópia da minha alma.
É. Este é um mal dia. Mas eu não vou evitá-lo, forjando uma alegria palhaça. Da mesma forma que dispenso o gozo alheio, disfarçado de preocupação. Já com a preocupação verdadeira eu até me encanto, mas não há de quê: a tristeza não é morte e nem mazela. A tristeza é o verdadeiro estado de graça da revolução


segunda-feira, 25 de junho de 2012

Folia

O verbo me abandonou. Sobraram-me apenas os gestos, a respiração e esse coração que bate e arde. Só restou a minha humanidade e todo esse conjunto de órgãos e trejeitos que fazem de mim, mais eu. Na falta da fala, valho-me é da expressão do meu olhar, aparentando estar perdido no cenário de um dia nublado qualquer, mas dizendo milhões de coisas contidas e suspensas entre o negro da minha pupila e a cor cinza do céu.
Na falta de alguma frase exata que descreva os sentimentos, eu me valho é da expressão do corpo; e danço! E ainda que você não possa ver, saiba que sim, eu danço! Rodopio os meus pés sobre o piso frio 
da minha sala sem mobília e girando-girando eu vou me deliciando com o meu corpo, que grita o que as palavras escritas e faladas teimam em não mais dizer. Acompanho o ritmo calado de um som inaudível; invento a minha própria canção e assim dou coreografia ao meu contentamento. Danço! Danço em culto à chegada de tantas novas convicções, e planos, e descobertas, e coincidências. Danço para compensar a minha boba incapacidade de dar um nome à essa sincronia de felizes acasos, que de tão rara nessa vida de clichês, me emudeceu.


sábado, 16 de junho de 2012

Bagagem pouca é bobagem


Após toda a briga, o seu celular na caixa postal durante dois dias ainda não havia me feito perder a sanidade. Mas já no terceiro, uma intuição amarga me dizia que algo estava muito errado.
O medo fez guiar as minhas pernas até seu prédio e me deparo com o porteiro dizendo que a última vez que lhe viu foi há pouco tempo, carregando umas três malas até o táxi... Gelei. 
"Três malas!" Ri aquele riso de desespero que vem acompanhado da voz falhada e dos olhos cheios d'água. Torno a discar seu número. Dessa vez chama. Você atende. Atrapalhada, eu digo a primeira assertiva descabida em que penso: "Três malas! É tão típico seu. Você nunca consegue ser objetivo, não é? Insiste em querer carregar a vida inteira para todos os cantos em que vai!" Desligo. Me arrependo. Não devia ter dito nada. Merda. Mais sensato ter silenciado, me calado, fingido que nem vim aqui. O porteiro me olha me de viés e pergunta se estou bem. Devo estar com aquela cara de angústia, feito a de quem acaba de perder o último vôo. Disfarço, digo que estou legal e rumo portão afora. Ele não acredita, pois ainda o vejo me olhar torto de dentro da guarita, enquanto eu tento rapidamente enfiar a chave na porta do carro.

Encenei uma cara lavada, me despi de compaixão e disse: "vá". E você foi. Mas e se eu tivesse dito que não, faria alguma diferença? Valeria a pena escancarar o meu lado frágil só para levantar o seu ego, se depois eu fosse obrigada a te ver partir mesmo assim? Seria melhor se você nunca tivesse inventado essa necessidade repentina e idiota de respirar outros ares, assim você não teria me escandalizado com o seu desapego tão barato e eu não teria te ferido com o meu orgulho excessivo. Bem como pela porta eu não sairia - decidida por fora e corrompida por dentro - te deixando sentado na beira da cama, com os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos na testa, fazendo um esforço desumano pra não chorar. Quem sabe até nós não tivéssemos descido rumo à tal padaria da Alameda dos Sombreiros e pedido dois cafés: o seu sem açúcar, já o meu com uma colherzinha-de-nada. Jogaríamos papo fora, depois voltaríamos ao seu apartamento e faríamos amor no chão da sala. E tudo estaria bem, certo?

Mas você foi, droga. E eu sinto meu peito contrair enquanto dou voltas inúteis com o carro pelo quarteirão da minha casa, agora. E me impressiono com a rapidez com que eu oscilo entre a minha absolvição e a minha culpa diante dessa história. E estaciono na garagem. E pego o elevador com o pretexto de tomar um banho e vestir uma roupa mais digna, sabendo que eu acabaria aboletada na cama com os trapos do corpo mesmo, ouvindo Wish You Were Here no volume máximo. E subo. E abro a porta. E então vejo duas malas em pé; depois uma outra, aberta e vazia no chão; depois você, no sofá, com o sorriso mais lindo e cretino que existe.

- Arruma a bagagem e se apronta, amor. Porque eu tenho essa necessidade absurda de carregar a minha vida inteira para qualquer canto em que eu vá.


quinta-feira, 14 de junho de 2012

Terra, fogo e signos


Até me agrada a calma que você transpassa. Até me instiga esse seu jeito de olhar manso e fazer tudo devagarzinho, como quem não quer perder nenhum detalhe; como quem não quer abrir mão. Possessivo que só, eu sei. Ou seria excessivo? Os dois, talvez! Você quer muito e quer tudo. E eu... eu quero o tudo e o muito, mas acontece que eu quero logo.