quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Misan-en-Scéne


Você ainda está naquela fase em que descobre que o pessimismo pode ser extremamente charmoso, então você interpreta um protagonista complexo e obscuro, mascando o chiclete com um sorriso irônico no canto da boca, quando, no entanto, nas engrenagens mais íntimas do seu ser, maquina ainda algo de esperançoso e ingênuo. Me vejo nisso há tempos atrás e rio comigo mesma porque me lembro daquela música de Chico: “Já conheço os passos dessa estrada, sei que não vai dar em nada, seus segredos sei de cor...”. Por isso, apenas deixo. Educadamente, deixo você curtir o barato do seu show. A sua pose de Adônis atormentado, as suas fugas e aparições sempre imprevisíveis, todas inspiradas na tentativa de parecer um alguém interessante. Passo por cima. Ignoro o seu arquétipo teatral e sublimo essa sua insistente mania em me querer como a vítima da sua trama mexicana e sem-graça, ainda que o mais sensato fosse dizer curta e secamente, entre uns goles de café, como é patética a sua falta de coragem para encarar de uma vez as pessoas e a vida. E se o meu aval, o meu desimportante aval tanto amacia alguma parte inflamada do seu ego, eu até deixo você invadir o meu espaço e recostar no vão da porta com alguma expressão insondável no rosto, enquanto desata a contar vantagens sobre si mesmo. Deixo. Desde que nessa postura não esteja implícito algum plano para me arrastar até o seu enredo, até a sua cena. É um truque eficaz para os incautos, mas insensível para mim... Alma velha, sabida e ressabiada das manhas de tantos “atores” e “atrizes” desse mundo afora. 

2 comentários:

  1. Já eu, menos rebuscado, só consigo lembrar de uma canção tão brega quanto novela mexicana e tão íntima, como se fossem palavras minhas:

    "Eu vejo o vento te levar
    Mas tenho estrelas prá sonhar
    E ainda te espero todo dia..."
    [ FAFÁ DE BELÉM ]

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  2. Incrível como simples palavras podem penetrar no íntimo alheio e tocar em assuntos até então herméticos. Encantado, do meu canto, resta apenas seguir as frechas de cada linha tua. Eu, querida Bluma, acostumado a ficar do lado oposto ao palco, talvez mais próximo da coxia... nos bastidores.

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