sábado, 16 de junho de 2012

Bagagem pouca é bobagem


Após toda a briga, o seu celular na caixa postal durante dois dias ainda não havia me feito perder a sanidade. Mas já no terceiro, uma intuição amarga me dizia que algo estava muito errado.
O medo fez guiar as minhas pernas até seu prédio e me deparo com o porteiro dizendo que a última vez que lhe viu foi há pouco tempo, carregando umas três malas até o táxi... Gelei. 
"Três malas!" Ri aquele riso de desespero que vem acompanhado da voz falhada e dos olhos cheios d'água. Torno a discar seu número. Dessa vez chama. Você atende. Atrapalhada, eu digo a primeira assertiva descabida em que penso: "Três malas! É tão típico seu. Você nunca consegue ser objetivo, não é? Insiste em querer carregar a vida inteira para todos os cantos em que vai!" Desligo. Me arrependo. Não devia ter dito nada. Merda. Mais sensato ter silenciado, me calado, fingido que nem vim aqui. O porteiro me olha me de viés e pergunta se estou bem. Devo estar com aquela cara de angústia, feito a de quem acaba de perder o último vôo. Disfarço, digo que estou legal e rumo portão afora. Ele não acredita, pois ainda o vejo me olhar torto de dentro da guarita, enquanto eu tento rapidamente enfiar a chave na porta do carro.

Encenei uma cara lavada, me despi de compaixão e disse: "vá". E você foi. Mas e se eu tivesse dito que não, faria alguma diferença? Valeria a pena escancarar o meu lado frágil só para levantar o seu ego, se depois eu fosse obrigada a te ver partir mesmo assim? Seria melhor se você nunca tivesse inventado essa necessidade repentina e idiota de respirar outros ares, assim você não teria me escandalizado com o seu desapego tão barato e eu não teria te ferido com o meu orgulho excessivo. Bem como pela porta eu não sairia - decidida por fora e corrompida por dentro - te deixando sentado na beira da cama, com os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos na testa, fazendo um esforço desumano pra não chorar. Quem sabe até nós não tivéssemos descido rumo à tal padaria da Alameda dos Sombreiros e pedido dois cafés: o seu sem açúcar, já o meu com uma colherzinha-de-nada. Jogaríamos papo fora, depois voltaríamos ao seu apartamento e faríamos amor no chão da sala. E tudo estaria bem, certo?

Mas você foi, droga. E eu sinto meu peito contrair enquanto dou voltas inúteis com o carro pelo quarteirão da minha casa, agora. E me impressiono com a rapidez com que eu oscilo entre a minha absolvição e a minha culpa diante dessa história. E estaciono na garagem. E pego o elevador com o pretexto de tomar um banho e vestir uma roupa mais digna, sabendo que eu acabaria aboletada na cama com os trapos do corpo mesmo, ouvindo Wish You Were Here no volume máximo. E subo. E abro a porta. E então vejo duas malas em pé; depois uma outra, aberta e vazia no chão; depois você, no sofá, com o sorriso mais lindo e cretino que existe.

- Arruma a bagagem e se apronta, amor. Porque eu tenho essa necessidade absurda de carregar a minha vida inteira para qualquer canto em que eu vá.


2 comentários:

  1. Eu amei. Amei, amei e continuo com cara de bocó pelo final lindo e inesperado.
    "Insiste em querer carregar a vida inteira para todos os cantos em que vai!" Talvez não seja objetivo, mas é o jeito certo de se entregar!

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