sexta-feira, 13 de maio de 2011

Contrastes.




- Claro ou escuro?
- Como?
- Esmalte. Claro ou escuro?
- Ah... Escuro. Vermelho escuro.

Fiquei observando aquela moça com ares de desgosto, remexer no seu carrinho de esmaltes. - Rosa pink, rosa bebê, cinza, cintilante, laranja... Aquele carnaval de cores parecia fazer um contraste perfeito com a máscara triste que a mulher pregara no rosto.
Será que ela tinha filhos? Se sim, quantos filhos tivera? Será que vivia só? Ou mesmo ninguém tinha por ela? Será o quê...? "Claro ou escuro?" A pergunta que lhe cabia todo o santo dia. Dando forma as unhas roídas, colorindo mãos de madames... E as dela, quem cuidava?
Olhei para elas, suas mãos. Estavam pintadas de um “rebu” descascado e a palma, com resquícios de tinta. – “Ossos do ofício”, pensei.
Levantei os dedos e dei uma espiada nas minhas unhas já finalizadas. 

- Você trabalha bem.
Disse eu, numa tentativa de estimular o seu bom humor.
Ela nada disse; nada esboçou. Talvez ouvisse mal.
- Gostei das unhas, ficaram ótimas.
Repeti mais alto, não deixando de achar-me inconveniente.
Ela deu um sorriso chocho e logo voltou a pendurar sua tristeza no rosto.

Me senti um tanto frívola. Estava ali, no meio de um salão, pintando unhas e criando hipóteses sobre as máscaras alheias. 
No frigir dos ovos, talvez ela só estivesse num dia ruim. Talvez fosse mesmo melancólica ou quem sabe, até mais feliz que eu. 
Não sei... Quem poderia cerrar o punho com a verdade nas mãos? 
A única certeza que conseguiu acompanhar-me porta a fora, era a de que a absoluta constância é mesmo a inconstância dos dias. Ora voamos em azul-céu, ora pisamos em chumbo de asfalto quente. Daí, em meio a estas desventuras, acabamos por fazer isso mesmo: jogando um vermelho, um rosa, um verde; na unha, na cara, no cabelo, na parede do quarto... Tudo para que não fiquemos vivendo um xadrez; preto no branco. Tudo para que fujamos à essência bruta da vida.
Todo o abrir de olhos é bem-vindo porque nos faz perceber as diferentes nuances das cores. E o pior do avesso é o tempo passar, a visão turvar e corrermos o risco de enxergarmos unicamente os seus tons. 
Claro ou escuro.

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