Você ainda está naquela fase em que descobre
que o pessimismo pode ser extremamente charmoso, então você interpreta um protagonista complexo e obscuro, mascando o chiclete com um sorriso irônico no
canto da boca, quando, no entanto, nas engrenagens mais íntimas do seu ser,
maquina ainda algo de esperançoso e ingênuo. Me vejo nisso há tempos atrás e rio
comigo mesma porque me lembro daquela música de Chico: “Já conheço os passos
dessa estrada, sei que não vai dar em nada, seus segredos sei de cor...”. Por
isso, apenas deixo. Educadamente, deixo você curtir o barato do seu show. A sua pose de Adônis atormentado, as suas fugas e aparições sempre
imprevisíveis, todas inspiradas na tentativa de parecer um alguém interessante. Passo por cima. Ignoro o seu arquétipo teatral e sublimo essa sua
insistente mania em me querer como a vítima da sua trama mexicana e sem-graça,
ainda que o mais sensato fosse dizer curta e secamente, entre uns goles de
café, como é patética a sua falta de coragem para encarar de uma vez as pessoas
e a vida. E se o meu aval, o meu desimportante aval tanto amacia alguma parte inflamada do seu ego, eu até deixo você invadir o meu espaço e recostar no
vão da porta com alguma expressão insondável no rosto, enquanto desata a contar vantagens sobre si mesmo. Deixo. Desde que nessa postura não esteja implícito algum plano
para me arrastar até o seu enredo, até a sua cena. É um truque eficaz para os
incautos, mas insensível para mim... Alma velha, sabida e ressabiada
das manhas de tantos “atores” e “atrizes” desse mundo afora.